segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Shame

-Tenho que acordar e sair cedo, antes das sete. (Brandon)
-Está frio. (Sissy)
-Sissy, saia do meu quarto. Sissy, saia do meu quarto. Da o fora daqui, porra! Sai! (Brandon)


O sexo, pelo menos entre nos ocidentais, sempre foi um tema instável. De uma maneira bem superficial podemos refazer a caminhada percorrida por este tema desde os gregos até os dias atuais, e logo perceberemos que o sexo é um reflexo da cultura de um povo: a maior liberalidade na Grécia Antiga, sobretudo no que tange ao sexo masculino. Daí séculos mais tarde, durante a ascensão do cristianismo, é a Igreja Católica que dita os princípios que devem guiar esta experiência transcendental.  

A verdade é que ainda hoje, séculos após a Igreja Católica perder o monopólio sobre o sexo, este permanece sendo um tema recheado de tabus. Mesmo com a literatura Moderna, com as artes renascentistas, com as revoluções culturais que puseram em choque as mentes conservadoras ao longo do século passado, ainda assim, é verdade, o sexo não é tema livre em qualquer roda de conhecidos.

Até mesmo o fato de um filme apresentar um personagem em crise, por conta das suas práticas sexuais, de certa forma representa o quanto o sexo ainda é um terreno movediço.

A beleza de uma obra cinematográfica está em apresentar personagens complexos, com personalidades bem desenhadas em torno de uma trama, mesmo que simples, mas com final indefinido. Então, é só esperar que a capacidade de interpretação dos atores e o roteiro colaborem. Neste caso Shame conseguiu juntar perfeitamente estas peças.

Brandon (Michael Fassbender) , profissionalmente estabilizado, é um jovem viciado em sexo. Um sexo despossuído de amor, carinho ou mesmo erotismo. É o sexo necessário, como o saciar da sede, da fome. Apesar de buscar o sexo incontrolavelmente, um exercício não tão fácil, pois precisa manter a aparência de um homem saudável e normal – aliás, o que todos nós somos: absolutamente saudáveis e normais – Brandon não consegue manter intimidade com as mulheres.

Se já não bastasse a dificuldade de Brandon em manter esta vida secreta, para tornar as coisas ainda mais complicadas, sua irmã Sissy (Carey Mulligan), sem ter para onde ir, lhe pede moradia. Sissy também enfrenta seus monstros, e o mais grave deles é a carência afetiva e a possessividade, o que torna a convivência entre os dois muito conturbada. De forma bem equilibrada elementos mais sensíveis são adicionadas a trama, o que deixa o espectador bastante apreensivo.

Em Meninos não Choram, muito bem interpretada por Hilary Swank , existe uma cena de estupro que penso ser uma das mais agressivas do cinema, porém, como sabemos, se tratava de uma violência sexual, de algo não consentido, logo, a reação horrorificada do público é justificada e até esperada. Já em Shame, temos a impressão que quase todas as cenas de sexo são constrangedoras, apesar de não serem fruto de estupros.


Título original: ( Winter´s Bone )
Lançamento: 2011, (EUA)
Direção: Steve mcQueen
Atores: Michael Fassbender, Carey Mulligan, James Badge Dale, Nicole Beharie, Alex Manette, Robert Montano
Duração: 101 min.
Gênero: Drama

Inverno da Alma

- Nós temos pelo menos um pouco do mesmo sangue. Isso não quer dizer nada? Não é o que dizem por aí? (Ree Dolly)
- Você não tem um homem para cuidar disso não? (Merab)
- Não, senhora, não tenho. (Ree Dolly)


Em diferentes momentos da vida a maioria das pessoas enfrentam alguma dificuldade que lhe exige uma reação radical. É aquele momento em que a crise provoca mudanças irreversíveis. Ree Dolly (Jennifer Lawrence), a protagonista do filme, vive exatamente este momento. A jovem de dezessete anos precisa tomar decisões rapidamente, pois o futuro da sua família depende da sorte das suas ações.

Com um desempenho que lhe rendeu a indicação ao Oscar de Melhor Atriz, Lawrence nos apresenta uma jovem, que apesar de aparentemente sensível e frágil, faz o que está ao seu alcance para manter a moradia da família.

Seu pai, um homem que nem sempre andava de acordo com a lei, usou a casa e as terras da família como fiança para sair da cadeia. Assim, Ree Dolly terá apenas alguns dias para impedir que seus irmãos pequenos e sua mãe doente sejam expulsos da propriedade. Sem ter a quem recorrer, Dolly passa a investigar o paradeiro do pai, porém o silêncio e os segredos são valores que superam a amizade ou laços familiares naquela região.

Um filme que revela peculiaridades das remotas regiões escondidas por trás das florestas norte americanas. Lugares em que a lei do mais forte ás vezes prevalece. Nos mostra também a garra e determinação de uma jovem - como muitas que nos cercam diariamente - para proteger sua família em um momento em que era ela que precisava de proteção.

Este filme deve ser visto não só porque foi indicado ao Oscar de Melhor Filme, Melhor Atriz, Melhor Ator Coadjuvante e Melhor roteiro Adaptado, mas também  porque possui um drama muito comum à vida real, e principalmente, porque é uma ótima oportunidade para apreciar o belo trabalho da garota que brilhou este  ano em JogosVorazes.


Título original: ( Winter´s Bone )
Lançamento: 2010, (EUA)
Direção: Debra Granik
Atores: Jennifer Lawrence, John Hawkes, Kevin Breznahan, Garret Dillahunt, Lauren Sweetser
Duração: 100 min.
Gênero: Drama

sábado, 29 de dezembro de 2012

Cosmopolis


Eu queria que você me curasse, que me salvasse. Queria que você me salvasse. (Benno Levin)


Coisas de cinéfilo blogueiro: ontem, enquanto assistia O Inverno da Alma, pensava qual filme deveria postar hoje, data de comemoração dos dois anos do blog. Por sorte este pensamento não me impediu de aproveitar a boa performance de Jennifer Lawrence. Até mesmo porque opções de bons filmes não faltariam para marcar esta data.

Começamos lá atrás com o ótimo filme de Fernando Meirelles, Ensaio Sobre a Cegueira, aliás, vi recentemente 360, do mesmo diretor e em breve teremos algumas linhas por aqui. Duas centenas de comentários depois, após um ano, chegamos ao As Loucuras de Dick e Jane, uma comédia que ocupa um espaço especial na minha memória. E então embarcamos no segundo ano de empreitada, não de forma tão assídua quanto desejava, mas presente.

Cosmopolis foi escolhido não por ser simplesmente um dos melhores filmes do ano, mas porque é denso, possui ótimos diálogos e nos fazem refletir sobre esta geração que nos cerca e que ainda tentamos definir. Quando um filme emociona ou nos leva para longe da poltrona, quando nos proporciona conexões com diferentes aspectos do mundo real, então este filme merece um elogio.

X, Y, Z, Alfa, etc. as definições não são poucas para as últimas gerações. E neste caso até que são úteis, condensam certas características comuns a pequenos grupos que são destacados para representar uma época. Os nascidos entre os anos oitenta e dois mil, por exemplo, são a geração Y. Caracterizados, entre outras coisas, por estarem sempre conectados. Já a geração Z faz referência a um grupo de pessoas cada vez mais preocupado com a conectividade com os demais indivíduos. Sem entrar no mérito e profundidade destes estudos, nem no risco de estereotipar indivíduos, podemos dizer que é o virtual que interliga estas gerações.

Gradativamente o mundo virtual foi tomando o espaço: amizades virtuais, dinheiro virtual, compras virtuais, fama virtual, consumo virtual, trabalho virtual, brincadeiras virtuais, sexo virtual, personalidade virtual, etc. Eric Packer (Robert Pattinson), um bilionário, que possui pouco contato com o mundo real, tenta cruzar a cidade de Nova Iorque para cortar o cabelo, talvez a última coisa que o conectou ao mundo de pedras e suor. Eric habita uma limusine, mas poderia ser um escritório no alto de um arranha céu. Conversa com assessores, técnicos, conselheiros, seguranças, são seus olhos, boca, ouvidos, sentem o mundo por ele.

Possui um esmero impecável para com a saúde, faz atividade física, tem apenas 6% de gordura corporal, faz exames médicos diariamente, porém não conseguiu “processar” o seguinte diagnóstico: “sua próstata é assimétrica”. Quem sabe seja porque Eric, como a maioria dos seus, busca padrões, regularidades. Seu mundo pode e deve ser explicado pela linguagem computacional.

Eric é jovem, mas seus assessores são mais jovens ainda, adolescentes que não olham nos olhos, inquietos, espertos, dominam os gráficos, os indicadores, a linguagem virtual. Mas o mundo lá fora fervilha, os ratos se multiplicam, podem se tornar a moeda oficial. Novamente a Anarquia, como uma fênix, semeia o caos, a fonte da mudança. E Eric não sabe como se movimentar neste mundo desconhecido, desprezível, inóspito e amargurado. O mundo dos não-virtuais, dos artistas revolucionários cuja as armas são ovos, frutas podres e tortas.

Mais uma vez é Paul Giamatti, na pele do desempregado ressentido Benno Levin, que vem coroar esta bela obra cinematográfica. Os diálogos entre Levin e Eric nos deixam paralisados. O cenário não poderia ser mais significativo: um velho quarto bagunçado, destruído, repleto de coisas velhas e sem utilidades, tal como o próprio Levin.

Cosmopolis, baseado no livro de Don De Lillo, é impecável, um filme para ser assistido mais de uma vez.


Título original: (Cosmopolis)
Lançamento: 2012 (Canadá, França, Portugal, Itália)
Direção: David Cronenberg
Atores: Robert Pattinson, Kevin Durand, Sarah Gadon, Juliette Binoche, Jay Baruchel, Samantha Morton, Mathieu Amalric, Paul Giamatti
Duração: 109 min
Gênero: Drama

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Colcha de Retalhos


-Olhe só, lua cheia. (Finn)
-Não gosto da lua cheia. A usamos como desculpa para fazer bobagens. (Anna)
-Sou jovem. É isso que fazemos. (Finn)
-E passará o resto da vida pagando por elas? (Anna)
-Prefiro isto a passar o resto da vida indagando o que teria perdido. (Finn)
-Prefiro indagar do que me dar tapas depois. (Anna)
-Prefiro me dar tapas. ( Finn)
-Bom. Vai acabar toda dolorida. (Anna)


Finn Dodd (Wynona Ryder) está prestes a tomar uma decisão muito importante em sua vida: responder ao pedido de casamento feito por Sam (Dermot  Mulroney), seu noivo. Some se a isto o desejo de finalizar a dissertação de mestrado, sua terceira tentativa. Ora, casar é o sonho da maioria das mulheres, por isso esta não deveria ser uma decisão difícil para Finn. Porém, a sua mãe, Sally (Kate Nelligan ), propositalmente ou não, lhe passara valores, digamos, não convencionais a respeito da tão esperada união matrimonial.

Finn resolve então refugiar-se por uns tempos na casa das mulheres da família. Vai passar uns dias com a avó Hy (Ellen Burstyn) e a tia avó Glady Joe (Anne Bancroft ). Um ambiente no qual aquela jovem certamente encontraria: sabedoria, reflexão e sossego. 

As duas irmãs, Hy e Glady, fazem parte de um grupo de mulheres que tecem colchas de retalhos, um trabalho bastante tradicional nos Estados Unidos. Geralmente as colchas são fabricadas em torno de um tema ou uma história familiar. É com estes ingredientes que o roteirista Jane Anderson e o diretor Jocelyn Moorhouse - assim como faz Anna(Maya Angelou) e suas costureiras - nos apresentam  valorosas lições sobre o amor.

Onde mora o amor? Entre tantas, esta questão nos inquieta bastante durante as quase duas horas de filme. Nos encantamos com as histórias dos amores daquelas mulheres, muitas alegres, outras tristes, porém todas repletas de significados, verdades e sentimentos. E assim, como em um bordado, construímos e reconstruímos possíveis respostas para a pergunta.

É um drama romântico que gira em torno daquilo que é objeto de desejo das mulheres (e dos homens também): o amor.  Nos revela belezas escondidas, as diversas facetas do amor, e principalmente, seus ensinamentos.


Título original: (How to Make an American Quilt)
Lançamento: 1995 (EUA)
Direção: Jocelyn Moorhouse
Atores: Danes,
Winona Ryder, Anne Bancroft, Ellen Burstyn, Kate Nelligan, Alfre Woodard, Jared Leto, Claire Dannes, Dermot Mulroney, Maya Angelou
Duração: 116 min
Gênero: Drama

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

O Impossível



“Estamos na praia” 


É inspirado na incrível história de uma família espanhola que passava férias em uma das praias paradisíacas da Tailândia, no final do ano de 2004, quando tsunamis gigantescos varreram aquele litoral. Cerca de 230 mil pessoas perderam suas vidas naquele dias. Inúmeros dramas familiares, como o relatado por um pai em um dos abrigos: “ouvi um barulho e vi a onda gigante, então corri para o quarto, não levei mais que cinco segundos, cinco segundos, e então cheguei ao quarto e vi em cima da cama um bilhete da minha esposa e filhinha: ‘estamos na praia’”. 

Uma dos primeiros pensamentos que nos tomam é que aquele sofrimento todo não é fruto da imaginação do diretor ou roteirista, foi tudo real: cenas apocalípticas, ondas destruindo o que encontravam pela frente e arrastando de volta para o mar, inclusive os poucos sobreviventes, crianças, idosos, animais.

As imagens produzidas pelo ótimo filme Além da Vida, dirigido por Clint Eastwood, já haviam nos assustado, em virtude do impressionante realismo, porém, desta vez Juan Antonio Bayona, diretor de O Impossível, conseguiu superar o filme norte-americano.  A cena em que Maria (Naomi Watts) e seu filho Lucas (Tom Holland) são arrastados pela primeira onda, nos deixa sem fôlego, as ruas e o hotel irreconhecíveis, o sofrimento das pessoas, parece que estamos no meio da destruição.

Ewan McGregor, pai incansável e esperançoso, foi muito convincente. Seu choro copioso encontrou eco na escuridão da sala do cinema. Até as crianças conquistam o espectador. 


Recordista de bilheteria na Espanha, terra natal da família protagonista, este filme traz o drama vivido por apenas algumas das pessoas que estavam nos litorais asiáticos naquele fatídico dia. Família e superação são seus ingredientes principais. E para uma época de natal, quando as pessoas ficam mais emotivas, certamente será uma ocasião em que as mulheres sairão do cinema com a maquiagem borrada, e os homens, sensíveis ou não, também sentirão os olhos lacrimejarem.


Título original: (The Impossible)
Lançamento: 2012 (Espanha)
Direção: Juan Antonio Bayona
Atores: Ewan McGregor, Naomi Watts, Geraldine Chaplin, Marta Etura, Tom Holland, Sönke Möhring, Oaklee Pendergast, Samuel Joslin
Duração: 107 min
Gênero: Suspense

domingo, 23 de dezembro de 2012

As Aventuras de Pi


“Não perca a esperança.” (Pi)


O objetivo principal de um filme é contar uma história. Alguns precisam de muitos efeitos especiais, outros nem tanto. É possível medir a qualidade do filme pela capacidade de lhe segurar na poltrona após seu desfecho final, ou então, quanto tempo as cenas e diálogos dos personagens ficam pairando em sua cabeça. E as Aventuras de Pi é um destes que lhe assalta, lhe toma o fôlego e lhe remete a vários caminhos. 

Os créditos surgiram na tela, as luzes ascenderam, as pessoas iniciaram aquele balé sincronizado, se levantaram e saíam lentamente até a porta, porém, eu ainda estava pensando na fala de um dos personagens dita três minutos atrás. Precisava de um tempo para me recuperar.  

Quando um filme consegue trazer uma história, a mais banal que seja, e fazer conexões com as grandes inquietações da humanidade, como amor, religião, filosofia, ciência, vida, morte, família, etc. temos então uma verdadeira obra de arte. As Aventuras de Pi faz valer o título de Sétima Arte atribuída ao cinema.

Pi Patel (Suraj Sharma), que na tenra infância acreditava que seu maior problema era o seu nome, um pouco diferente para os padrões indianos, logo percebeu o que poderia estar por trás das religiões. A família não poderia ser mais fértil: um pai crente na ciência, uma mãe religiosa, além de um negócio que lhe proporcionou um convívio intenso com diversos animais, entre eles um tigre de bengala, o Sedento, ou melhor Richard Parker. Sedento, nome muito bem apropirado, como quase tudo no filme.

É impossível sair do cinema indiferente a este filme. Qualquer pessoa que pelo menos uma vez tenha pensado  em existência, necessidade ou justificativa para Deus terá sua fé, ou falte de fé, abalada. E não é um filme impregnado dos valores morais religiosos que cegam o Ocidente, pelo contrário. Disse Pi em algum momento: “ele despertou o que há de mal em mim”, ou seja, o mal existe em nós, assim como o bem, ele não é exclusividade do outro. Não  nos tornaremos melhores eliminando o mal que está no outro.

A travessia, a perda, o recomeço, a luta pela vida, a dor, a vida e a morte naquilo que poderia ser seu porto seguro, a busca de si no outro, a fantasia. Poucas vezes temos a oportunidade de apreciar um roteiro, atores e direção tão impecáveis como neste filme. Se Hollywood começou a exibir seus favoritos ao oscar, então já escolhi o meu. Aliás, que se dane o oscar, quem precisa dele quando se tem filmes como estes!

Obrigado Yann Martel, mente da qual se originou o livro e, obrigado Ang Lee, diretor que transformou em belíssimas imagens a obra de arte literária.



Título original: (The Life of Pi)
Lançamento: 2012 (EUA)
Direção: Ang Lee
Atores: Suraj Sharma, Irrfan Khan, Tabu, Adil Hussain, Gerard Depardieu, Rafe Spall
Duração: 127 min
Gênero: Drama